A esfinge sibilante
Empurre, goela abaixo de uma máquina hiperpowerfull, 45 terabytes de texto. Todo tipo de texto escrito, da bíblia a bulas de remédio e sentenças judiciais. Tem ideia do tamanho disso, em páginas?
Um terabyte equivale a 6,5 milhões delas, de documentos – ou 1.300 armários físicos cheios de papel impresso. 45 tera terão, então, cerca de 300 milhões de páginas, ou quase 60 mil armários. Imagina tirar poeira disso tudo.
Mas o pesadelo vem agora: depois de engolir essa porraiada toda de informação, esse troço é capaz de botar tudo nos pacotinhos digitais corretos, e depois formar textos, vamos dizer, do próprio punho, a partir de ordens externas. Você pode digitar lá: “quero frases unindo pum e pelo menos outras quatro palavras.” O ideal é você dizer também quantas frases, se não vai passar o resto da vida lendo as respostas. Então tá “quero cinco frases usando pum unida a quatro outras palavras”. E pode sair:
“Pum fede pra caralho, pô!”
“Pum em elevador é letal.”
“Gases expelidos pelo ânus? Pum!”
“Você que soltou um pum?”
“Esse gato solta cada pum...”
Interessante, mas inútil? Aguarde. Aí você pode parar de bancar o adolescente, fingir que é um psiquiatra, e digitar “Complexo de Édipo é o desejo de foder com o pai e comer a mãe. Escreva uma obra de 200 páginas, segundo os preceitos de Freud, a partir da afirmação dada. Acrescente pelo menos uma nota de rodapé por página com as considerações de Foucault sobre os conceitos freudianos a respeito.” Imagine a radioatividade que emitirá um documento destes e o estrago que fará nos neurônios?
Apavore-se! Arrependa de seus pecados antes de perder a pouca razão que acha que tem. Essa coisa já existe, chama-se GTP-3, um que-nome-dar-a-isso-? desenvolvido por uma empresa chamada OpenAI. Segundo o texto do Hermano Vianna que li na Folha, pouquíssima gente tem acesso aos textos gerados pelo troço.
Mas existem versões pra zé-ninguéns, como o “AI Dungeon”, onde pode-se criar “obras literárias” em parceria com o computador, alimentado no mesmo esquema do GTP-3. Fui lá. Leiam o que saiu.
Atendendo a orientações do site, escolhi, numa história de mistério, ser um espião chamado Moro Júnior.
O texto em itálico são minhas intervenções, o resto criado pelo site. A tradução via Google.
Você é o Moro Júnior, um espião que mora em Chicago. Você tem uma pistola escondida e uma seringa de veneno. Você ouve os diplomatas russos discutindo as possíveis rotas de fuga do rei se os rebeldes assumirem o palácio. Você também aprenderá quais deles estão mais próximos do rei e planejará sua própria abordagem.
> Você pergunta a eles onde está a família bolsonaro.
Há uma resposta quase imediatamente. "A família está no porão, mas você não vai pegá-los porque há guardas por perto."
> Você por que a família está presa?
Há uma longa pausa, antes que a voz responda. “Eles estão sendo responsabilizados pela morte da república”.
Parei... Mêda... Disarreda, capeta... Desconectei a internet, por segurança: tirei aquele trem azul do troço. Brinca com inteligência artificial, vai!





