Bái bái Bishop
Homenagem da Flip 2020 passa a ser incógnita - como a própria festa, aliás, já era.
A administração da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) anunciou o cancelamento da homenagem, na edição 2020, à poeta norte-americana Elizabeth Bishop (primeira estrangeira a ter uma edição dedica a ela). Bishop tinha sido indicada pela curadora Fernanda Diamant, que se demitiu agora no dia 12 de agosto. Entre os motivos, alegou que tinha sido feito à sua revelia o adiamento da festa para novembro (deveria ter sido realizada agora, entre 29 de julhos e 2 de agosto, mas a pandemia parará pôrôrô). Na verdade, ainda não se sabe sequer se haverá eventos presenciais ou só pela web. Se houver.
O novo alvo da homenagem será indicado por quem substituir Fernanda. Ela disse que a FLIP “precisa de uma curadora negra para reinventá-la neste mundo pós-pandemia.” Não dá pra entender essa mistura de alho com aralho. Opa, aí eu quero como curadorx um hermafrodita albina de baixa estatura física. Mas não é assim que a coisa funciona. Sem falar que literatura é espaço para quem sabe escrever de verdade, seja lá de que sexo ou cor for. Maravilhoso o Black Lives Matter, mas não é uma santa receita pra tudo. E quem anda arrotando “feminismos” por aí deveria ler “Minha vida na estrada”, da Glória Steinem (a gente volta ao livro qualquer dia aqui). Ali se percebe que os buracos são mais embaixo, mais acima, mais atrás, mais do lado e, principalmente, sob os próprios pés.
A indicação de Bishop, anunciada no final do ano passado, gerou polêmica: a poeta, que morou 20 anos no Brasil, inclusive adquiriu uma casa em Ouro Preto (daí a imagem lá de cima) apoiou entusiasmada o golpe de 64. Independentemente da posição política dela, o que é mais estranho é essa frescura de homenagear gringo com tanta gente boa esquecida aqui dentro (vou citar só o Guimarães Rosa e o Manuel de Barros pra não correr o risco de esquecer outros). Interessante é que, na edição do ano passado (homenageado = Euclydes da Cunha), Fernanda Diamant tinha conseguido quebrar um pouco da monotonia da Flip com a participação de muitas mulheres e de um autor indígena, Ailton Krenak.
Repasso na cabeça uma lista de autoras negras, de Conceição Evaristo a Ana Paula Maia, e tudo que desejo para elas é distância de uma curadoria (ainda mais a de Paraty, com as grandes editoras fundando no cangote) e mais tempo e reconhecimento – em dinheiro, faz bem para a alma e o corpo – para continuarem a escrever bons livros.
Porque, cá entre nós, mesmo com raros esforços em contrário e algumas mudancinhas cosméticas, a Flip tem sido, desde sempre, uma confraternização engessada de estrelas e cometinhas, alienada da realidade da literatura brasileira.





